sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

À mim eu volto, ao resto deixo ir.

Ainda que eu nunca tenha entendido sobre permanecer, noto que entendo ainda menos sobre deixar ir.
De uma forma torta e deturpada, contigo eu permaneci. Senti os pés no chão, sonhei as possibilidades futuras e busquei cultivar a árvore desde as raízes, tentando saborear com doçura os frutos.
Mas eu devia saber que permanência não é eternidade. Tu já chegou como quem vai embora e cada vez tenho mais certeza disso.

A gente precisava se encontrar e precisava permanecer, e dada a necessidade, os laços viraram nó.E eu sempre fui livre pra ir e vir, ou sempre confundi o medo de ficar com a liberdade de partir.

Mas tu desde o começo chegou como quem vai embora. Não desfazia as malas; sempre com um pé de cada lado da porta. Pronto pra correr em disparada ao menor sinal de algo que não agradava. Demorei pra entender que no fundo tu também tinha medo da permanência, por mais que desejasse ficar.
Por um tempo me adaptei. Deixei-me de lado pra te ter ao meu lado. E fomos seguindo. Em uma simbiose que não é complemento, mas puro suicídio.
Cada vez que as algemas que nos juntam se partem um pouco, eu me parto em pedaços que instantaneamente se remontam dentro de mim.
Eu tô de novo sem saber pra onde ir, mas é a ideia de caminhar que me fascina e me traz ar. Mas relembrando aquela história de que peixe dentro d'água não sente sede... graças a deus eu sou filha dessas águas e é no mergulho que tomo fôlego.
É verdade que não entendo de permanecer. Não entendo de deixar ir. Mas tô aprendendo. Meu caminhar podia ser torto, mas me trouxe a esse agora e por isso sou grata. Sou grata por não ser mais quem eu era. E também sou grata a quem eu era e entrego a mim o amor e cuidado que sempre precisei e que sempre distribuí por aí. Vou aprender a deixar ir porque deixar ir é retornar ao único lar que conheço: o Universo estrelado dentro de si.
Caminho porque caminhar é abrir os portais e, pela deusa, ao menos sei quais são os portais que busco.
De resto, tomo cuidadoso olhar sobre o eu pra que nessas andanças eu não me perca de mim. Se a vida é movimento, agradeço por viver. Ainda que algumas coisas acabem, que pessoas vão embora, que algo dentro da gente morra, eu não estou morta. Aceito o existir com a graça e leveza de quem sabe que nada controla, e por isso, tudo aceita e segue entregue aos mistérios."

quinta-feira, 3 de setembro de 2015


Se a gente sofre é pelo egocentrismo. Narcisismo. Não achamos nunca que somos merecedores de qualquer coisa que machuque. Talvez sejamos, talvez não. Mas é fato que algo sempre nos causará dor. Porque não somos livres de sentimentos. Mas sofrer... Sofrer é questão de ego. E não do ego ao qual Freud se refere, o equilíbrio entre o instinto e os bons costumes. O ego que nos faz super valorizar nossa própria importância. A verdade é que na maior parte das vezes, quando alguém nos machuca é por ela mesmo e não para nos fazer mal. Se te magoam, é porque provavelmente estão magoados. Talvez não contigo, não com algo recente. Mas é escolha tua tornar isto um ciclo vicioso ou não. Não sofra: aceite. Aceita porque nada é pra sempre, porque nada é insuperável e porque os únicos fatos incontestáveis é que estais vivo e hora ou outra podes não estar mais. Assim, bem pateticamente clichê. Não sofra. Ser humano exagera em tudo, principalmente na própria importância. Maldito ego.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Meraki.

Dei o melhor de mim porque é só o que tenho a oferecer.
Mas sou feita de partidas.
Vindas e idas.
Sou partida.
Em pedaços.
Que distribuo por aí.
Pra mim mesma sobra muito pouco.
Sobra quase nada.
Sobra, só.

De mim mesma tenho pouco, me entrego facilmente por aí.
Entrego amor.
Sou amor.
Me distribuo por aí.
Sou meraki até na alma.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Tal qual a vida

chegar ao destino é voltar pra casa.

Naufrágio nos olhos

e pelo rosto é a alma que escorre.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

"Experimentar a paz não quer dizer que a vida é sempre perfeita. Significa que você é capaz de chegar ao estado mental de tranquilidade em meio ao caos normal de uma vida frenética."




TAYLOR, Jill Bolte. "A cientista que curou seu próprio cérebro - o relato da neuerocientista que viu a morte de perto, reprogramou sua mente e ensina o que você também pode fazer."

sexta-feira, 4 de julho de 2014

     O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
     O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
   O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
     O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
    O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
     O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
     O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
     O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.  Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
  O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
  O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.


DE MELO NETO, João Cabral. "Os Três Mal-Amados."

segunda-feira, 23 de junho de 2014

DAMATTA, Roberto. (sociólogo)

             "A coisa chegou a tal ponto, que a palavra "política" passou a designar precisamente esse jogo amoral no qual a igualdade é sempre ultrapassada por pessoas que, desdenhando das leis, passam a controlá-las em vez de zelar por elas. Ou um ritual nos quais os criminosos são acusados, mas quando são importantes, livram-se da pena porque têm comprovadas relações pessoais e partidárias com os donos do poder."


Revista Veja, ed. 2.2021, ano 40, artigo: "Sem culpa e sem vergonha", Ed. Abril, 15/8/2007 apud. SILVA, Ana Beatriz Barbosa, "Mentes Perigosas - O psicopata mora ao lado".

"[...] Mas já existiram tempos em que...

o status intelectual e a retidão de caráter também eram características bastante valoradas entre os membros de nossa sociedade.
                O "saber" e o "ser" já foram bens de alto valor moral social. Hoje vivemos os tempos do "ter", em que não importa o que uma pessoa saiba ou faça, mas sim que ela tenha dinheiro ( de preferência muito) para pagar por sua ignorância e suas falhas de caráter.
               Nesse cenário propício surge a cultura da "esperteza": temos que ser ricos, bonitos, etiquetados, sarados, descolados e muito invejados. O pior dessa cultura é que seus membros não se contentam apenas com o "ter", é necessário exibir e ostentar todos os seus bens. Assim ninguém esquece, nem sequer por um minuto, quem são os donos da festa."


SILVA, Ana Beatriz Barbosa. "Mentes Perigosas - O psicopata mora ao lado."

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Resposta do Chefe Seattle ao presidente dos Estados Unidos que desejava comprar suas terras.

“Se nós vendermos nossa terra , vós deveis lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e também vossos. E vós deveis dar aos rios a ternura que mostrais a um irmão. Sabemos que o homem branco não entende nossos costumes . Um pedaço de terra , para ele , é igual ao pedaço de terra vizinho, pois é um estranho que chega ,às escuras, e se apossa da terra de quem tem necessidade. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e uma vez conquistada , o homem branco vai mais longe. Seu apetite arrasará a terra e não deixará nela mais que um deserto.” “O que é o homem sem os animais? Se os animais desaparecerem , o homem morrerá dentro de uma grande solidão. Ensinai também a vossos filhos aquilo que ensinaremos aos nossos: que a terra é nossa mãe. Dizei a eles que a respeitem , pois tudo que acontecer à terra acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no chão , eles cospem sobre eles mesmos. Ao menos sabemos isto: a terra não é do homem ; o homem pertence à terra. Todas as coisas são dependentes. Não foi o homem que teceu a teia de sua vida, ele não passa de um fio dessa teia. Tudo que fizer para essa teia estará fazendo a si mesmo.”  (1854)


Enterrem meu coração na curva do rio.